26 de set. de 2011

Transe


Não podia. Aquele resultado não podia ser verdadeiro. Ela continuava olhando aquele pedaço de papel, atônita, sabendo que era verdade, ela já sabia o resultado bem antes de fazer o exame, só que aquilo ali era a confirmação do inacreditável...

O filme da sua vida, ou melhor, do fim da sua vida sendo projetado naquele simples POSITIVO. Ela simplesmente não podia ser mãe naquele momento, ou melhor, não podia ser mãe nunca!

Ela não queria! Nunca quis.

Essa era a única certeza além da morte que tinha desde que se entendeu por gente.

Alguma coisa tinha que ser feita imediatamente, decisões teriam que ser tomadas rápido, mas ela não conseguia nem mesmo parar de olhar aquelas letrinhas... Parecia que estava mesmo olhando para sua sentença de morte. O mundo como conhecia, quer dizer, que estava começando a conhecer estava se tornando outro com o passar dos minutos. O relógio estava rindo dela naquele momento, ela podia jurar que ouvira uma gargalhada...

O pânico inicial ia passando, ela conseguiu se mover, ela precisava sair daquele hospital, um milhão de coisas passando pela sua cabeça, tinha que falar com aquele filho da puta e já tinha a certeza de que daquele mato não ia sair nem pulga, precisava sair dali...

Muitas convicções vão parar no lixo com uma situação dessas, é nessa hora de verdade que você vai pensar naquele discurso antes tido como verdadeiro, e ver que é hipócrita, tendencioso e ignorante. A vida a ser salva era a sua, no caso, e nisto só você tem o direito de decidir, opinar e realizar.

Olhando pela janela do ônibus, não era o transito enlouquecido da cidade de São Paulo que ela via, sua visão estava longe, já tentava visualizar as opções de futuro prováveis. Tudo era muito difícil...

A vida ia seguindo, só que para ela minutos eram meses e dias poderiam ser segundos. A loucura e a insensatez, combinadas com muito azar causaram tanta confusão que anos mais tarde ainda é difícil lembrar, o episódio não tem seqüência, só cenas soltas.

Tudo era bizarro, aterrador e insolúvel. A ida ao médico, a amiga que apareceu ali, segurou a barra e nunca mais fez parte de sua vida, a falta de grana, o desespero, o cotidiano disfarçado.

A solução veio então espontânea, no meio da noite por meio de cólicas fortíssimas seguidas de hemorragia, disfarçada de menstruação, que durou dias.

Tudo acabou bem, sem contravenções feitas, com a saúde perfeita.

Sobraram novas convicções, novas lutas e ideologias. Sobrou o entendimento da vida vista do ângulo que realmente interessa, o ângulo de quem sofre e é julgada, e que é muito pouco pensado nesta sociedade que infelizmente ainda é machista e preconceituosa.

Sobrou uma mulher com a vida plena e realizada. 

3 comentários:

  1. Muito bom....De repente, o que foi interrompido, seria a melhora do machismo e preconceito que ainda predomina por ai. Sou totalmente a favor da liberdade de livre escolha. E cada um que aguente as consequencias, boas ou ruins, por serem livres.
    Bjos

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